Marcus Valério Saavedra Guimarães de Souza é Advogado especializado em Direito Penal e Processo Penal e Pós-Graduado em Direito Civil e Processo Civil. Membro Associado da Associação dos Criminalistas e Academia de Júri do Estado do Pará.
1- DEFINIÇÃO DA CULPA
Antes de se analisar as modalidades da culpa, faz-se necessária a definição da mesma, haja vista, a responsabilidade civil, no direito brasileiro, a tem como fundamento essencial, salvo a teoria do risco.
Dentre as várias tentativas de defini-la, as quais, a priore, foram influenciadas pela distinção romana dos delicta e quasi delicta, e que modernamente é considerada pouco importante, uma vez que ambos encontram-se fundidos na denominação geral de ato ilícito, destaca-se:
“Delito: fato danoso e ilícito, ainda que não previsto na lei penal, e cometido com a intenção de prejudicar"; e "quase-delito como todo fato ilícito de omissão não previsto pela lei penal, que causa a outrem um prejuízo, mas que aconteceu sem a intenção de causar dano". (Sourdat apud Pereira, 1997, pg. 65)
Infere-se dessa distinção que já havia uma tendência, por parte da doutrina, de se traçar uma linha de separação entre o dolo e a culpa (em sentido estrito). No dolo haveria, além da contraveniência a uma norma jurídica, a vontade de promover o resultado maléfico, havendo, portanto, um animus nocendi. Contudo, esse conceito de dolo evoluiu, abandonando aquela noção (de animus nocendi), bastando para sua caracterização, verificar se o agente procedeu consciente de que o seu comportamento poderia ser lesivo.
E, para elucidar tal questão, assentou-se uma proposição genérica segundo a qual o dever ressarcitório está relacionado com o descumprimento de uma obrigação. Logo, o inadimplemento de uma obrigação gera para o infrator o dever de indenizar. A contravenção de um dever, quer seja este legal ou contratual, provoca um desequilíbrio cabendo à ordem jurídica estabelecer princípios que restabeleçam o equilíbrio rompido, restituindo o bem lesado, se possível ou sub-rogá-lo a um ressarcimento.
Já para Demoque, a definição de culpa passa por uma distinção entre "condição objetiva" e "condição subjetiva", indispensáveis segundo a jurisprudência: "uma ofensa ao direito e o fato de ter percebido ou podido perceber que se lesava um direito alheio" ; e conclui que na determinação do elemento objetivo "é precioso observar que o limite dos direitos não é coisa simples". (Demoque apud Pereira, 1997, pg.66).
E, nessa mesma linha de raciocínio, Savatier a define como sendo "a inexecução de um dever que o agente podia conhecer e observar; a qual pressupõe um dever violado (elemento objetivo); e a imputabilidade do agente (elemento subjetivo). Esta abrange a possibilidade daquele de conhecer e de observar o dever". (Savatier apud Diniz, 1999, pg. 40).
Assim sendo, pode-se definir a culpa, em sentido amplo, como a violação de um dever jurídico, imputável a alguém, em decorrência de um fato intencional ou de omissão de diligência ou cautela, que compreende : o dolo, sendo este a violação intencional ao dever jurídico; e a culpa em sentido estrito caracterizada pela imperícia, imprudência ou negligência.
O dolo é a vontade consciente de violar o direito, dirigido à consecução do fim ilícito, e a culpa abrange: a imperícia, que vem a ser a falta de habilidade ou inaptidão para praticar certo ato; a negligência - que é a inobservância de normas que nos ordenam agir com atenção, capacidade, solicitude e discernimento; e a imprudência - que é a precipitação ou o ato de proceder sem cautela.
1.2 – CLASSIFICAÇÃO
Feita a definição da culpa, pode-se então verificar quais as suas modalidades, consoante a seguinte classificação:
1.2.1- EM FUNÇÃO DA NATUREZA DO DEVER VIOLADO
A culpa pode ser contratual e extracontratual ou aquiliana. Naquela, o dever se funda num contrato, consoante o art. 1056 do CC, como p. ex. : se o locatário que deve servir-se da coisa alugada para os usos convencionados não cumprir com tal obrigação; e nessa, quando o dever for originário de violação de preceito geral de direito, o qual manda respeitar a pessoa e os bens alheios, conforme o art. 159 do CC, como p. ex.: o proprietário de um automóvel que, imprudentemente, o empresta a um sobrinho menor, sem carteira de habilitação, que ocasiona um acidente.
Ressalta-se, ainda, que esta modalidade será analisada de forma mais aprofundada no decorrer deste trabalho.
1.2.2 - QUANTO À SUA GRADUAÇÃO
A culpa pode ser grave, leve e levíssima. A culpa será grave quando, dolosamente, houver negligência extrema do agente, não prevendo aquele fato que é previsível ao comum dos homens. Será leve, quando a lesão de direito puder ser evitada com atenção ordinária, ou adoção de diligências próprias de um bonus pater familias, consoante o art. 1267 do CC; e será levíssima se a falta for evitável por uma atenção extraordinária, ou especial habilidade e conhecimento singular, conforme os arts. 874 a 877 do CC. Vale ressaltar que, para a grande maioria dos juristas, a gravidade da culpa não exerce qualquer influência na reparação do dano.
Entretanto, o Projeto do Código Civil, no art. 946 e parágafo. único, autoriza o magistrado a decidir por equidade, em casos de culpa leve ou levíssima, ao dispor no caput: “a indenização mede-se pela extensão do dano" , e no parágrafo único: "Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização".
1.2.3- RELATIVAMENTE AOS MODOS DE SUA APRECIAÇÃO
Pode ser a culpa in concreto e in abstracto. Considerar-se-á in concreto quando, no caso sub judice, limitar-se ao exame da imprudência ou negligência do agente; e in abstracto, quando se fizer uma análise comparativa da conduta do agente com a do homem médio ou da pessoa normal, isto é, do diligens pater familias dos romanos. Há de se destacar, no direito civil brasileiro, que prevalece o critério da culpa in abstracto, devendo-se aferir o comportamento do agente pelo padrão admitido, embora os arts. 1251 e 1266 preceituem que a sua apreciação é in concreto. Mas tal apreciação visa apenas encarecer a conduta do agente.
1.2.4- QUANTO AO CONTEÚDO DA CONDUTA CULPOSA
A culpa pode ser: in committendo ou in faciendo, in omittendo, in eligendo, in vlilando e in custodiendo. Tem-se a culpa in committendo ou in faciendo quando o agente pratica um ato positivo, isto é, com imprudência. Mas se ele cometer uma abstenção, ou seja, for negligente, a culpa será in omittendo, como p. ex.: um professor de natação que, por estar distraído, não socorre o aluno, deixando-o morrer afogado. Contudo, a omissão só poderá ser considerada causa jurídica do dano se houver existência do dever de praticar o ato não cumprido e certeza ou grande probabilidade do fato omitido ter impedido a produção do evento danoso.
Já a culpa in eligendo advém da má escolha daquele em quem se confia à prática de um ato ou o adimplemento da obrigação, como p. ex.: admitir ou manter a seu serviço empregado não habilitado legalmente ou sem aptidões requeridas. Esta modalidade está prevista no art. 1521, inc. III do CC e na Súmula 341 do STF. A culpa in vigilando é aquela que decorre da falta de atenção com o procedimento de outrem, cujo ato ilícito o responsável deve pagar, como p. ex.: a ausência de fiscalização do patrão, quer relativamente aos seus empregados, quer à coisa. É a hipótese de empresa de transportes que permite a saída de ônibus sem freios, o qual origina acidentes. É o que se observa no art. 1521, incs. I e II do CC.
E, por fim, a culpa in custodiendo é aquela que advém da falta de cautela ou atenção em relação a uma pessoa, animal ou objeto, sob os cuidados do agente. Tal modalidade possui presunção iuris tantum de culpa. No direito brasileiro, em regra, presumem-se culpados os representantes legais por seus representados; o patrão pelos danos causados por seus empregados; os donos ou detentores de animais pelos prejuízos causados por esses a terceiros; o proprietário do edifício ou construção pelos danos resultantes da ruína, consoante os art. 1521, 1527 e 1528 do CC.
SOUZA, Marcus Valério Saavedra Guimarães de. Modalidades de culpa
Disponível em:
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